a apresentação do eu na vida de todos os dias — Erving Goffman

Quando um indivíduo desempenha um papel exige implicitamente dos seus espectadores que levem a sério a impressão que neles procura suscitar. É pedido aos outros que acreditem que a personagem que estão a ver realmente possui os atributos que parece possuir, que a acção que desempenha tem as consequências que implicitamente afirma, e que, de um modo geral, as coisas são o que mostram ser. Nesta ordem de ideias, encontramos a concepção muito difundida segundo a qual o indivíduo organiza o seu desempenho e exibição “em intenção das outras pessoas”, (…) a crença do próprio indivíduo na impressão de realidade que tenta engendrar naqueles entre os quais se encontra.

Num dos extremos, verificamos que o actor poderá ser completamente tomado pela sua própria acção; poderá estar sinceramente convencido de que a impressão de realidade que encena é a realidade real.

GOFFMAN, 1993: 29

 
Erving Goffman, 1922-982

Erving Goffman, 1922-982

 

Parece existir uma dialéctica de fundo subjacente a toda a interacção social. Quando um indivíduo surge na presença de outros, pretende descobrir os factos que definem a situação em que se encontra. Se possuir essa informação, poderá saber, e levar em conta, o que vai acontecer a seguir e dar aos outros presentes o que lhes é devido, de acordo com uma versão bem interpretada dos seus próprios interesses. Para descobrir na íntegra a natureza factual da situação, seria necessário ao indivíduo estar na posse da totalidade dos dados relevantes a respeito dos outros. O indivíduo precisa igualmente de conhecer o desfecho efectivo ou produto final da actividade dos outros durante a interacção, bem como os sentimentos mais íntimos dos outros em relação à sua pessoa. Raramente, porém, alguém terá ao seus dispor toda a informação correspondente; à falta dela, o indivíduo tende a utilizar sucedâneos – pistas, provas, deixas, gestos expressivos, símbolos de estatuto, etc. – como instrumentos de previsão. Em suma, uma vez que a realidade com que o indivíduo se encontra cometido é momentaneamente inapreensível na sua totalidade, o indivíduo terá de se valer das aparências disponíveis. E, paradoxalmente, quanto mais o indivíduo se encontra empenhado numa realidade a que a percepção não lhe faculta acesso, mais a sua atenção se concentrará nas aparências.

GOFFMAN, 1993: 291

 

Referência
GOFFMAN, Erving, A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias, Lisboa: Relógio d’Água, 1993

outro

outro é uma estrutura artística multidisciplinar dirigida por João Leão e Sílvio Vieira.

Com sede em Lisboa, surgiu como clube de leitura e reflexão em Janeiro de 2017, constituindo-se associação cultural no final de 2018. Ao longo desses dois anos assinou textos e materiais originais, mais tarde indexados num corpo autoral que estruturou as primeiras criações: este website e o espectáculo as árvores deixam morrer os ramos mais bonitos.

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