NOTA DE INTENÇÕES para o triénio 2025-27
Na sequência dos trabalhos anteriores, com destaque para a trilogia ARENA-EQUADOR-ZÉNITE*, permanece para os próximos anos a vontade de colocar o espaço (natural ou artificial, mais ou menos convencional) no centro da criação artística. Acreditamos na variável espaço como disruptora da tradição teatral ao nível da linguagem, e também no seu potencial de derrame e desobediência através da diluição das fronteiras que separam a arte da sociedade civil. A arte que transborda, inclusive para dentro da vida dos que não pediram ou pagaram por ela, está viva. Espetáculos como ARENA e ZÉNITE foram experiências também neste sentido: incursões felizes na vida das comunidades onde se inseriram.
Identifico neste percurso uma forte componente experimental, nas suas dimensões estética e técnica, manifestada na procura por uma nova gramática performativa e por novos modelos de produção. No próximo triénio continuaremos esta procura, ancorando-a num ângulo mais nítido — na trilogia anterior, o eterno sobre-o-quê dos espetáculos era encontrado no decorrer do processo de ensaios, em relação direta com o local. Em 2025-27, os espaços onde escolhemos trabalhar informam previamente a temática das criações.
A Trilogia Azul (2025-27) compreende três espetáculos ligados entre si pelo horizonte, o mar e o céu.
ATLAS (2025), aquele que segura os céus na mitologia grega, corresponde ao horizonte e ao limbo onde se encontra a alma humana, naturalmente dividida entre binómios factícios como bem e mal, alegria e tristeza, amor e ódio, criação e destruição, vida e morte.
BÁTEGA (2026) estabelece uma ligação entre o mar, palco onde se apresenta, e a melancolia, num espetáculo inspirado na arte circense e no teatro mudo.
SUPERNOVA (2027) aponta para o espaço sideral como uma dimensão além do alcance da visão e que, na sua imensidão, nos obriga a voltar o olhar para dentro, tornando-se o universo no território da existência e do desconhecido.
A par desta trilogia, aceitámos ainda dois novos desafios.
GOLPE DE ASA, projeto com a comunidade LGBTQIA+ de Braga, inserido no movimento DESEJAR / Braga 25, explora a tensão entre tradição (materializada na arquitetura do Theatro Circo) e marginalidade/invisibilidade na cidade.
TOPOGRAFIA DO SONHO, projeto a desenvolver com adolescentes de Miranda do Douro e Montalegre no âmbito do projeto Rota Clandestina/Rota do Sentir. Trabalha a relação homónima e desequilibrada entre Natureza (paisagem materializada nos parques naturais da região) e a natureza humana (como essência ou paixão inexplorada, condicionada e suprimida pela sociedade capitalista e de consumo).
Transversal a estes projetos estará o Teatro Zénite, vestígio material da trilogia anterior e registo simbólico — e extraordinariamente pesado — do esforço coletivo empregue para construir a nossa casa, que é também o miradouro para as nossas criações. Este teatro consiste num pequeno auditório de 35 blocos únicos de cimento construídos a partir do entulho das obras de requalificação do Teatro Nacional D. Maria II, e será montado sempre e quando precisarmos dele.
*Em 2025 terá início o projeto de fixação dos trabalhos anteriores numa edição física à qual chamámos, provisoriamente, de Trilogia do Espaço. Esta edição incluirá os registos audiovisuais de ARENA, EQUADOR e ZÉNITE, o documentário deste último (“A Guerra das Paisagens”), fotografias, desenhos, guiões de espetáculo e textos de suporte.
27 de Janeiro de 2025
Sílvio Vieira
Trilogia Azul, Sílvio Vieira, 2024