o rizoma segundo Deleuze e Guatari
“Escrevemos a dois O Anti-Édipo. Como cada um de nós era vários, já fazia muita gente. Aqui utilizámos tudo o que nos aproximava, o mais próximo e o mais longínquo. Distribuímos hábeis pseudónimos, para nos tornar incógnitos. Por que mantivemos os nossos nomes? Por hábito, unicamente por hábito. Desta vez, para nos tornar desconhecidos. Para nos tornar imperceptíveis, não para nós, mas para o que nos fazia agir, experimentar ou pensar. E, depois, porque é agradável falar como toda a gente, e de dizer o sol está a nascer, enquanto toda a gente sabe que é uma maneira de falar. Não de chegar ao ponto em que já não se diz eu, mas em que isso já não tem nenhuma importância de dizer ou não dizer eu. Já não somos nós mesmos. Cada um conhece os seus. Fomos ajudados, aspirados, multiplicados.”
O rizoma é um termo explorado por Gilles Deleuze e Félix Guattari na introdução de Mil Planaltos — Capitalismo e Esquizofrenia 2 e de que aqui nos servimos como mote para pensar o nosso trabalho. Contém a ideia de livre-associação como estrutura mental, aliando a de nódoa, linhas de fuga e antigenealogia.
“Um livro não tem objecto nem assunto, faz-se de matérias diversamente formadas, de datas e de velocidades muito diferentes. Do momento em que se atribui ao livro um assunto, descura-se matérias nesse trabalho e a exterioridade das relações. Fabrica-se um deus-nosso-senhor para movimentos geológicos. Num livro, como em qualquer coisa, há linhas de articulação ou de segmentaridade, estratos, territorialidades; mas também linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e de desestratificação. As velocidades comparadas de escoamento segundo essas linhas arrastam fenómenos de atraso relativo, de viscosidade, ou, pelo contrário, de precipitação e de ruptura. Tudo isso, as linhas e as velocidades mensuráveis, constitui um agenciamento. Um livro é um desses agenciamentos, logo, inatribuível. E uma multiplicidade — mas não se sabe ainda o que o múltiplo implica quando deixa de ser atribuído, isto é, quando é elevado ao estado de substantivo.
(…)
Um rizoma não começa e não acaba, está sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo «ser», mas o rizoma tem por tecido a conjunção «e… e… e…». Há nesta conjunção bastante força para sacudir e desenraizar o verbo ser. Onde é que vão? Donde partem? Onde é que querem chegar? São questões bem inúteis. Fazer tábua rasa, partir ou voltar a partir do zero, procurar um fundamento, implicam uma falsa concepção da viagem e do movimento (metódico, pedagógico, iniciático, simbólico…).”
Neste termo guattaro-deleuziano tenta-se uma definição de rizoma pelas seguintes características aproximativas:
“1º e 2º Princípios de conexão e de heterogeneidade: qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado com qualquer outro, e tem de sê-lo.
3º Princípio de multiplicidade: é apenas quando o múltiplo é efectivamente tratado como substantivo, como multiplicidade, que já não tem nenhuma relação com o Um como sujeito ou como objecto, como realidade natural ou espiritual, como imagem e mundo. As multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades arborescentes.
4º Princípio de ruptura assignificante: contra os cortes demasiado significantes que separam as estruturas, ou atravessam alguma. Um rizoma pode ser interrompido, quebrado num sítio qualquer, e retoma segundo esta ou aquela das suas linhas e segundo outras linhas.
5 e 6º Princípio de Cartografia e de decalcomania: um rizoma não está sujeito a nenhum modelo estrutural ou generativo. É estranho a qualquer eixo genético, como de estrutura profunda. Um eixo genético é como uma unidade de prumo objectiva sobre a qual se organizam estados sucessivos; uma estrutura profunda é, antes, como uma sequência de base decomponível em constituintes imediatos, enquanto a unidade do produto passa por outra dimensão, transformacional e subjectiva. (…) O rizoma é diferente, mapa e não decalque.”
Referência:
DELEUZE, G., GUATTARI, F., (2007) Mil Planaltos — Capitalismo e Esquizofrenia 2, Lisboa: Assírio & Alvim