o paradoxo da criação
O problema é paradoxal.
A pergunta é paradoxal.
O problema nasce e cria ele próprio o contexto da sua extinção. A pergunta não contém a resposta, antes desencadeia o movimento e força em direcção à resposta. Se a resposta é o fim da pergunta, a melhor pergunta é aquela capaz de mobilizar, e permanecer, ainda assim, indecifrável.
A humanidade move-se para resolver problemas aparentemente impossíveis, como a fome ou a desigualdade. A tensão pulsante nestes problemas, entre dois pontos contraditórios ou entre uma pergunta e a procura da resposta é geradora e criadora — da relação dialéctica entre tese e antítese nasce uma síntese que pode ou não resolver o conflito. Seguindo esta lógica, os grandes problemas do mundo são a mais poderosa força organizativa e mobilizadora da massa — fontes inesgotáveis de criação mesmo após sucessivas tentativas de resolução.
Um problema quase impossível é mais "produtivo" que um problema menor, e este aparente absurdo confere valor ao esforço e elimina a suspeita — para quê tentar, então? Esta pequena dúvida poderia paralisar-nos, não fosse a história humana a história da invenção humana — a invenção que continua a ser a tentativa de resolver problemas ainda insolúveis — como a morte, por exemplo. O maior problema da medicina é, e sempre foi, a certeza da morte. Hoje, quer queiramos quer não, a morte afigura-se cada vez menos certa e é na vida eterna que reside o futuro da humanidade, naquele que é o grande desígnio da ciência — o Projecto de Gilgamesh. O final da Epopeia de Gilgamesh centra-se na revolta do herói perante a morte do amigo Enkidu, quando Gilgamesh decide desafiar os deuses e procurar a imortalidade.
Seguindo esta linha, uma proposta para a definição de criação poderia ser: a libertação da tensão acumulada entre dois pontos em conflito tendo em vista a dissipação desse conflito. Ainda que se provem infrutíferos todos os esforços, esta colisão acaba por ser destrutiva e construtiva, num equilíbrio que começa por existir na Natureza e se estende a todos os domínios da vida humana, inclusive aos mais artificiais — os que apenas existem na nossa imaginação colectiva.