as árvores deixam morrer os ramos mais bonitos /2020
Espectáculo de teatro vinculado ao cinema e à escultura, fruto da pesquisa em torno do que mais tarde viemos a chamar distância. María, uma jovem emigrante, deixa o seu país pela metrópole. Na chegada ao cais, onde a esperavam um homem e uma mulher que ela nunca viu ou conheceu, decide fugir. Dois meses depois, o casal tenta de novo aproximar-se dela, oferecendo-lhe casa e trabalho numa fábrica fictícia.
Um projecto de outro estreado em Setembro de 2019 no Arquipélago — Centro de Artes Contemporâneas, e em Novembro de 2020 no Teatro Thalia/Festival Temps d’Images Lisboa.
1h20 M14
criação João Leão, Patrícia Moreira, Sílvio Vieira e Sofia Fialho
texto Sílvio Vieira
interpretação Ana Cris/Patrícia Moreira, João Leão, Sílvio Vieira e Sofia Fialho
espaço sonoro Diogo Quintela
vídeo João Leão
desenho de luz João Leão e Manuel Abrantes
apoio à cenografia Ângela Rocha
apoio à produção Laura Gama Martins
operação de luz Janaina Gonçalves
fotografia Álvaro Miranda (Arquipélago — Centro de Artes Contemporâneas) e Alípio Padilha (Festival Temps d'Images)
produção outro
co-producão Arquipélago — Centro de Artes Contemporâneas, Temps d’Images Lisboa
parceiros Fundação GDA, Fundação Calouste Gulbenkian, PARES — Programa de Apoio à Criação Artística nos Açores (Anda & Fala), Polo Cultural Gaivotas | Boavista, O Espaço do Tempo, DeVIR-CAPa, Causas Comuns, Teatro do Eléctrico, ESTC-IPL, Companhia Olga Roriz, OPTEC, Autovidreira, Vatel
distinções Texto seleccionado pelo comité português da rede europeia de tradução teatral EURODRAM 2020
agradecimentos Blue, Bruno Bravo, Catarina Rabaça, Cátia Terrinca, Ceci Graterol, Filomena Silva, Francisco Melo Bento, José Garcia, José Saramago, Luca Aprea, Lúcia Marques, Margarida Leão, Maria Duarte, Marta Raimundo, Miguel Ponte, Nélia Martins, Ricardo Botelho, Rita Conduto e Ruy Malheiro
GÉNESE
Este espectáculo surgiu após os primeiros dois anos de outro. Durante este período, o grupo reunia em torno de diversas problemáticas da arte, filosofia, biologia e ciências sociais, ao mesmo tempo produzindo os seus próprios materiais. Estes recursos foram compilados em três cadernos fundamentais — Natureza, Relação e Mapa. Partindo destes cadernos para a criação de um espectáculo, convergimos na ideia de distância e na história de uma mulher afastada do seu país: María.
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A aproximação e afastamento entre homem e animal, a ligação entre antropomorfismo e identidade e o dilema da consciência podem ser derivações da mesma pergunta: que distância separa o homem da Natureza?i) A frase “as árvores deixam morrer os ramos mais bonitos” exprime uma interrogação entre o útil e o inútil: da observação das árvores na floresta dos Açores — cujos ramos mais baixos, por estarem à sombra e se tornarem incapazes de fazer a fotossíntese, acabam por morrer — levantamos a questão do lugar da arte e da loucura numa sociedade organizada em função do útil.
ii) O ser humano insiste em rever-se em tudo o que vê: desenha caras nas pedras, descobre atitudes humanas nos animais, atribui nomes masculinos e femininos aos objectos e domina a personificação como recurso estilístico.
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Necessariamente implícitas na narrativa desta peça, descobrimos no abismo eu / outro quatro medidas:Distância do eu — empatia e rejeição
Distância certa — intuição
Distância incerta — medo e espanto
Distância paralela — sonhoEstas distâncias descrevem um intervalo. Existem de um ponto a outro, com maior ou menor clareza. Com o eixo central em María, observamos a relação que ela estabelece com o mundo, austero e farpado, procurando trazer à cena o medo, a empatia, a violência e o amor.
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O corpo enquanto lugar, e a cada lugar o seu mapa.Corpo político — o organismo social
Corpo louco — o desencaixe
Corpo dado — o retorno à Naturezai) Micro
A pele, exposta, é trabalhada como mapa; o corpo, moldado e atrofiado pelo que a contemporaneidade requer dele, como estrutura funcional. O estudo para a escultura Corpus separatum evidencia a distância primeira entre o corpo que nos é dado e aquele que utilizamos, recuperando uma memória: o instante do nascimento.
ii) Macro
O mapa da cidade, enquanto instrumento de poder, faz-se de quadrados e linhas rectas que agilizam o consumo. Exclui a loucura, os espaços em branco e o inútil. Sufoca a arte e a filosofia, cuja índole exige outra forma e outro tempo. Por baixo do mapa movem-se forças indomáveis para as quais não existem (ainda) edifícios, e que constituem a linfa vital ao avançar do tempo.